Tuesday, July 18, 2006

Sexo na novela das 8

Pessoas se dizem chocadas com o depoimento exibido ao fim de capítulo da novela "Páginas da Vida", no qual uma anônima senhora fala do seu orgasmo e de como passou a atender sozinha às suas demandas sexuais, sem necessidade de homem, depois que, certa noite, ouviu a canção "O Côncavo e o Convexo", do Roberto Carlos.
A edição não me chocou. Apenas me surpreendi com a coragem daquela senhora em se consentir sair do anonimato e expor sua intimidade aos milhões de telespectadores da "novela das 8".
Quem se diz chocado com o referido depoimento, mesmo sem assumir preconceitos, celebra a hipocrisia e reforça a mais cruel forma de machismo, qual seja, a de manter em silêncio as mulheres, no que toca aos seus prazeres ou desprazeres com o sexo.
Não se vê gente chocada com as cenas de violência que a TV Globo religiosamente exibe às segunda-se feiras, no tradicional “Tela Quente”. A sociedade se permite espiar a violência, não só a da ficção, como também a das notícias, com toda aquela liberdade concedida à imprensa para selecionar a matéria editável e para relatar os fatos como bem entenda.
Não é de hoje, cenas de sexo são normais nas novelas da Globo, mesmo no horário das 7, quando as crianças ainda circulam frente à TV. Então, se é bom espiar sexo na TV, por que não será permitido falar de sexo, fora daquele programa de utilidade da simpática Srª Johanson?
O fato é que as pessoas se dizem chocadas porque ouviram um depoimento que foge aos padrões do sexo consentido nas imagens de TV.
O fato é que as pessoas não autorizam a uma mulher de 68 anos falar de seus orgasmos e, de quebra, desconstruir o dogma secular de que o prazer sexual da mulher provém de única fonte: o homem.
O autor da novela não deveria dar ouvidos aos que se dizem chocados com o depoimento. A edição não foi chocante nem despicienda, pois faz um bom contraponto à fala da personagem Carmen que, no mesmo capítulo, embora se declarando infeliz no casameno desde a noite de núpcias, afirma que "não sabe viver sem homem".
O corajoso depoimento da senhora que ainda sente o pulsar do sexo apesar da idade (coisa mesmo rara!) e não precisa de parceiro para delimitar diferenças sensoriais entre "o côncovo e o convexo" nos remete a uma seríssima reflexão sobre sexualidade feminina e sobre relação homem/mulher. Aí está um bom serviço que, ficção à parte, a novela "Páginas da Vida" já prestou e pode continuar prestando às mulheres.
O resgate da auto-estima e a liberdade de agir é tudo que as mulheres sempre precisam. Parabéns ao Manoel Carlos e à TV Globo pela colaboração e pela ousadia, por assim dizer.
Em 18 de julho de 2006