Monday, September 26, 2016

"Aquarius", uma crítica fora da ordem...

Em certos círculos, tanto se elogia “Aquarius” que deixei o Alberto para trás e fui ver o filme num cinema perto de casa, sessão da tarde. Aprendi com a escritora Carmen da Silva a desafiar consensos, sem medo de ser criticada e enquadrada em algum clichê de posicionamento ideológico. E, assim, sem medo de apedrejamento, afirmo com toda minha sinceridade: não vi no filme de Kleber Mendonça Filho, algo mais que um trabalho razoável. Não percebo o sentido revolucionário que se vem atribuindo à obra. A manifestação na noite da escolha – o cartaz remissivo à conjuntura política brasileira – foi gesto de livre direito do elenco e direção. Porém, não se relaciona diretamente com o conteúdo da obra.
Talvez o meu pecado tenha sido passar pelos meus vinte anos de idade, a década de 1960, assistindo filmes absolutamente geniais. Foi um tempo tão precioso do cinema cult que se torna impossível avaliar o que veio depois, o que se faz hoje, sem traçar paralelos. Por mais aberta que esteja a mente para receber o que há de novo, há uma história a moldar o meu olhar sobre a arte, a alimentar minha visão crítica.
Fiquei atenta ao filme, aos seus detalhes, como fazia naqueles mencionados tempos em que os filmes contavam muito para a nossa formação cultural, acadêmica e também política. E como foi bom fazer prova da cadeira de Literatura Brasileira, sendo mestre o professor Ivo Barbieri, depois de ter visto “A hora e a vez de Augusto Matraga”, de Roberto Santos (1966), inspirado em novela de João Guimarães Rosa!   O cinema nacional era de uma pujança artística digna de “bonequinhos” de pé em calorosos aplausos. E o que dizer de todo o cinema italiano, o francês, o sueco, o alemão, espanhol...? Sim, o meu “bonequinho” carrega essas vivências.   
“Aquarius”, em ritmo às vezes arrastado, retoma um tema forte nos anos 1970: o assédio de empreiteiras aos proprietários de imóveis plantados em terrenos de alto interesse imobiliário nas cidades mais bonitas do Brasil. Em 1974, a TV Globo apresentou a novela “O Espigão”, de Dias Gomes, exibida na faixa das 22 horas, que abordou a questão da expansão imobiliária desenfreada e a resistência dos proprietários do terreno cobiçado. Teve uma ótima recepção de audiência.
Em Recife, onde se passa a ação do filme, pode ser que tal assédio ainda ocorra de modo expressivo. Na cidade do Rio de Janeiro, pode-se afirmar que todas as casas e pequenos prédios visados já tenham sido derrubados. De fato, essa é uma guerra difícil de ganhar. E não só por questão de vontade e determinação. Salvo, talvez, em casos em que a vontade e a determinação tenham assumido o caráter de uma luta coletiva, de uma ação política. Tenho remotas lembranças da atuação de associações de moradores da Zona Sul em defesa dos interesses nas áreas cobiçadas, em apoio aos moradores .
O filme não politiza o tema por este aspecto da mobilização coletiva. O conflito se afigura entre ações privadas: de um lado, a violência do assédio da empreiteira e, de outro, a força individual de Clara, a moradora que resiste a sair de sua casa, até porque, segundo os diálogos, tem boa situação financeira, é proprietária de cinco apartamentos, de fato, não precisa aceitar a proposta financeira da empresa. A pressão do empreiteiro assume caráter criminoso quando infesta o prédio de cupins (Clara é a única moradora a resistir, as demais unidades já teriam sido vendidas à empresa). O tema da resistência é, pois, deixado em aberto na cena final do filme, em que Clara esparrama as toras tomadas pelo cupim na mesa do empreendedor, ameaçando-o com a denúncia de algo por ele feito no passado, sem que se revele do que se trata.  Interessante estampar o conflito entre direitos individuais vinculados à propriedade, de um lado o poder do capital e de outro o sentimento, a escolha, o desejo de uma só pessoa. Sem dúvida, interessante. Mas não o bastante para se ter em “Aquarius” um filmaço.
A meu ver, há no filme outra linha temática, por assim dizer, que é a Sonia Braga. Senti “Aquarius” como uma homenagem a ela, à sua beleza e ao modo bacana como ela vem envelhecendo. Algo motivador para todas as mulheres? Talvez. Conheço a Sonia não personagem de entrevistas publicadas nos últimos anos, inclusive as mais recentes, relacionadas à divulgação do filme. Penso que seja intencional a construção da personagem Clara a partir da caracterização da própria atriz, Sonia. Aí, vejo a homenagem. A personagem poderia se chamar “Sonia”, de tão Sonia Braga que parece ser, no jeito, no modo de falar exposto nos diálogos do filme.   
A história começa na festa de aniversário de 70 anos de uma tia, em 1980, ao que parece, referência para Clara de uma mulher especial, ousada, que ainda pensa forte em sexo entre a criançada da festa – o que se vê nos feedbacks de cenas de sexo que lhe ocorrem durante a homenagem que lhe é prestada. Faz sentido com a cena em que Clara manda vir o moço com o qual faz um sexo arretado e livre.  Bacana.
A cena do macho que, no auge do desejo, recusa a mulher ainda bela e sedutora que ali revela a falta do seio por ação do câncer é um detalhe tocante que também passa a idéia: “se resisti ao pior – a doença – por que não resistir ao assédio do capitalista sobre o meu o meu universo particular, onde tenho a minha coleção de long plays, a minha praia, o meu amigo salva-vidas (Irandir Santos)”?     

Desejo sucesso a “Aquarius”. Mas, invocando a liberdade de opinião, não vejo no filme a excelência toda que lhe vem sendo atribuída. 

Tuesday, September 06, 2016

Menos slogans, mais pensamento crítico

Responsabilidade - palavra que encerra uma ideia fácil de entender. Mesmo assim, fui aos dicionários. Adoro conferir nos dicionários! Escolho o Houaiss que a define em três acepções:
"1. obrigação de responder pelas ações próprias ou dos outros;
2. caráter ou estado do que é responsável;
3.dever jurídico resultante da violação de determinado direito, através da prática de um ato contrário ao ordenamento jurídico."
Triste um país em que a irresponsabilidade deixa de ser natural na infância, passageira na adolescência, para chegar à fase adulta desnaturada, transmutada num baita vale-tudo. Um vale-tudo desestruturante no pior dos sentidos.
Triste um país em que a irresponsabilidade é praticada por agentes políticos e de Estado com seus poderes decisórios sobre nossas vidas. Irresponsabilidade que se apresenta em bandeiras de todas as cores, engessadas na pobreza dos slogans - "fora tudo o que aí está". Slogans muitas vezes antagônicos só na aparência. Prova disso foi a martelada desferida pelo Senado, contra o artigo 52 da Constituição vigente, patrocinada pela articulação concentrada nos 20 votos contrários ao impeachment somados aos 16 votos, com predominância do PMDB, para cindir o texto da norma, quando a sua dicção traduz um todo indivisível. Se digo: "fui à feira com Alberto". É possível formar-se a ideia de que fui à feira sozinha? Não, não é. Mas o que não fazem os detentores de mandatos parlamentares para cumprir seus projetos cada vez mais distanciados dos interesses do povo?
É bom lembrar que o Temer só aí está porque seu retrato lá estava na urna eletrônica ao lado de Dilma. Ah, tá: o lema agora é "todos juntos somos fortes para fechar as portas das investigações da Lava-Jato e afins". O embuste do confronto entre o PT e o PMDB que é também de Cunha salta aos olhos! Só não vê quem se aprisiona na superficialidade dos slogans, em prejuízo do pensamento crítico do qual depende o nosso futuro.
Posso estar enganada, mas não vejo solução fora da ordem jurídica e do Estado de Direito Democrático bem desenhado na Constituição. Com todo respeito ao pensamento dos companheiros e companheiras, não fui para a luta armada. Nem teria deixado de assinar a Carta de 1988. Os que me conhecem daquele tempo, da militância no PCB, talvez não se espantem com meu pensamento.
Hoje, diante de tantas perplexidades - muito mais dúvidas do que certezas e slogans - só gostaria de saber o que pensa o povo. E me refiro à turma que trabalha duro, enfrenta horas na condução para chegar ao trabalho e voltar para casa - e os vejo exaustos, com feições apreensivas no vai e vem do metrô, desembarcando em massa na estação Central do Brasil para pegar a linha férrea - homens e mulheres que respondem por seus filhos, seus netos e se desdobram para que eles tenham o melhor... Penso nos que sofrem nos grotões onde as benesses populistas sequer chegam.E não posso deixar de pensar no destino de tantos que confiaram nos fundos privados de pensão, hoje ameaçados por um dos golpes mais suntuosos do sistema construído sob o pilar da mais perversa irresponsabilidade.


Wednesday, August 17, 2016

Recital de Kaufmann: é ponto para São Paulo!

O evento olímpico que enobrece a cidade do Rio de Janeiro bem seria propício à abertura das portas de nosso Theatro Municipal à apresentação do tenor alemão, Jonas Kaufmann, a quem fãs de todo o mundo concedem indiscutível medalha de ouro.  Mas, na categoria música clássica e ópera, a cidade está bem longe de chegar ao bronze. A anunciada turnê de Kaufmann pela América Latina contemplou as cidades de Buenos Aires, Lima e São Paulo. Palmas ao “Mozarteum Brasileiro” pela inclusão do concerto do tenor em sua programação comemorativa dos 35 anos de atividades musicais.

A Sala São Paulo resulta da restauração da estação ferroviária “Julio Prestes” para uso da Orquestra Sinfônica de São Paulo. A iniciativa foi do Governador Mario Covas ao final dos anos 1990. “O projeto da Sala São Paulo é um exemplo vivo no qual acústica e arquitetura fundem-se num único corpo que é a própria sala. Tudo é acústica e tudo é arquitetura”, observa José Augusto Nepomuceno, consultor de acústica do projeto de restauro e readequação da Sala São Paulo (vide site da instituição). E como foi bom viver a experiência estética proporcionada por aquela acústica, por aquela arquitetura – corpo único perfeitamente adequado à papa fina oferecida por Kaufmann e seu mestre, o pianista Helmut Deutsch: par perfeito para a execução do lied (palavra alemã de gênero neutro que significa canção) em que voz e piano se acasalam para expressar os sentimentos exaltados pelos compositores, predominantemente, a turma do romantismo alemão.

Em programa muito bem bolado não faltou a essência do lied em peças de Franz Shubert e Robert Schumann e, quanto a este, reafirma-se minha convicção: tudo o que escreveu é sublime e lindo. E não poderia faltar Strauss (o Richard) com que Kaufmann fechou o programa. Os “Três sonetos de Petrarca S.270”, do húngaro Liszt, agregaram ao repertório o idioma italiano que reapareceria na sessão do bis, com as esperadas árias de ópera. Amei as quatro canções do francês Henri Duparc (1848-1933), minha mais nova e deliciosa descoberta musical.

Penso que no Rio de hoje não temos uma sala à altura do brilho de tais artistas e dos naquela noite compositores interpretados. A cada vez que vou ao Municipal, mais me convenço de que a última reforma empreendida prejudicou a acústica do teatro.  O concerto assistido na Sala São Paulo soa-me, assim como m alívio: não estou ficando surda.    

Faz tempo não via uma platéia tão chique e também tão contida, fria, melhor dizendo. Respeito à pureza do lied ou mero excesso de elegância a reprimir a espontaneidade da burguesia paulistana? Imagino que no Municipal do Rio, Kaufmann seria mais calorosamente recebido, como foi neste último fim de semana no Colón de Buenos Aires, em que apresentado programa idêntico. Seremos nós, os cariocas e os portenhos, burgueses ou não, naturalmente mais descontraídos?  

Mas o excesso de elegância ou de reverência a conter o público naquele recital não resistiu à sessão do bis, tal como conduzida por Jonas e tal como recebida por suas fãs, verdadeiras “walkirias” a abandonar rapidamente seus assentos, a se posicionar estrategicamente junto ao palco. Chegara o momento da ópera e das liberdades cariocas a temperar a frieza aristocrática daquela platéia. Ele nos brindou com a ária “l’anima ho stanca”, de Adriana Lecouvreur (Cilèa), com “Recondita armonia”, da Tosca (Puccini). E teve a canção “Azulão” (Ovalle/Bandeira), peça padrão de recitais de astros estrangeiros, como se fosse a única “lied” brasileira, sem demérito de sua beleza.    

É claro que eu integrava a legião das “walkirias”. Foi quando me dei conta - ele ali tão próximo - era a oportunidade de mostrar minha tatuagem que lhe diz respeito, feita depois que o vi em Nova York, em 2014. Puxei a manga de meu casaco chique de concerto, apontando a ele a frase: “Jonas, mein Sänger”. A mulherada, paulistas inclusive, cercava-me para saber o que eu havia mostrado a ele. Que “Brünhilde” era essa a atrair para si o olhar de “Wotan”? Ele sorriu como quem diz: “ah, essas mulheres!” O mais fica por conta de sua imaginação e de suas perplexidades quanto aos gestos – digamos – ousados das mulheres, inclusive daquelas que nem os cabelos brancos as impedem de expressar seus sentimentos. A farra do bis fechou a noite com chave de ouro. Viva a beleza do lied, viva “Jonas, meu cantor”!


https://www.youtube.com/watch?v=JgkwzM9fMXA 

Monday, March 21, 2016

A mediação e os caminhos da paz


Nada é tão ruim que não possa ficar melhor, parafraseando a ideia contida no dito popular para positivá-la. Por mais de quarenta anos, segui carreira jurídica abrigada na litigiosidade. Seja na advocacia tradicional submetida à obrigação de defender o interesse da parte assistida, usando de todos os meios legítimos, éticos, legais e necessários para obter a sentença judicial favorável. Seja no tempo do exercício da magistratura trabalhista, cumprindo a prestação jurisdicional do Estado devida às partes litigantes, “batendo o martelo” sobre o ponto em conflito, o que pela natureza do ato, envolve sempre desagradar, ainda que parcialmente, a uma das partes situadas em pólos opostos. Hoje, uma nova perspectiva dá alento à minha força de trabalho: refiro-me à mediação como forma alternativa de resolução de conflitos, prática que por aqui chega como novidade – embora assim já não seja em outros países, como a vizinha Argentina, onde sua prática bem se expandiu nas últimas décadas.

A mediação, enfim, firma-se nos termos da lei como antídoto ao excesso da litigância presente nas salas de Justiça do Brasil. O novo Código de Processo Civil (Lei 13.105 de 16 de março de 2015) incorpora a mediação como etapa do processo judicial (artigos 165 a 175). Não é de hoje, a conciliação vigora na lei processual e na prática dos juízes. A Justiça do Trabalho foi pioneira a partir da CLT que desde 1943 fixou a conciliação como etapa obrigatória do processo. A mediação ora introduzida na lei processual vai além. O mediador não se confunde com a figura do Estado/Juiz. A prática da mediação não se restringe aos profissionais em Direito. Tampouco demanda titulação acadêmica. O mediador funciona como um facilitador da comunicação entre as partes, do que pode ou não resultar a resolução do conflito. Para tanto, deve conhecer e dominar o manejo de ferramentas através de capacitação específica. Ferramentas que ao Juiz é vedado aplicar.

O ponto de partida da mediação – um procedimento oral e informal - é o acatamento do princípio da voluntariedade: só há mediação com a plena concordância das pessoas envolvidas. O procedimento pode ser interrompido ou cancelado em qualquer parte de sua etapa. O resgate da comunicação rompida é um dos objetivos principais no procedimento de mediação, cabendo ao mediador trabalhar tal aspecto, presente em quase todos os casos vivenciados. Por que escrevo “vivenciados” e não examinados ou apreciados? Porque o mediador, ao contrário do Juiz, não aprecia nada, não “examina os autos”, nem “chama o feito à ordem”. Mesmo na mediação judicial os autos não vêm ao mediador e o juiz do processo não será informado do que foi dito nas sessões de mediação (princípio da confidencialidade).

Na mediação, visa-se, igualmente, celebrar a chamada escuta ativa, uma abordagem essencial ao verdadeiro diálogo que precisamos resgatar para melhor viver em sociedade, para buscar sentimentos de humanidade perdidos no império do grosseiro em que se transforma a realidade. De tal modo, os conflitos passam a ser tidos como eventos inerentes ao fluxo da vida. Separa-se a noção de conflito da noção de litígio. Visa-se o reposicionamento dos interesses das pessoas envolvidas, do qual podem surgir as soluções do conflito. Apresenta-se às pessoas uma alternativa ao “ganha-perde” inevitável na esfera da litigiosidade judicial, para ajudar-lhes a construir uma pauta objetiva a ser examinada, do que pode surgir uma solução genuinamente consensual. O resgate da comunicação interrompida é, pois, o vetor do procedimento, por meio do qual se chega ou não ao acordo que, de certa forma, passa a ser secundário se comparado ao efeito transformador da relação que se pode obter através da escuta ativa e da substituição da guerra de posições pelo exame dos interesses e necessidades dos envolvidos. Nada deve ser forçado pelo mediador. A vontade das pessoas é soberana durante a mediação.  

Evidentemente que o Poder Judiciário lá está – deve estar - ao alcance de todos, como forma constitucional de solução de conflitos. E o vemos cada vez mais se aproximar das exigências de uma nova agenda republicana efetivamente condizente com o princípio do Estado de Democrático de Direito fundado em nossa Constituição. A mediação jamais o substituirá. Apenas acena com a possibilidade alternativa de exame dos conflitos com base na recuperação da comunicação entre as partes, de modo a se evitar as obrigatórias delongas dos trâmites processuais e, sobretudo o peso da sentença judicial à qual é inerente o resultado “ganha-perde”. A mediação, ao contrário, não só pode criar um atalho seguro à solução do conflito, como também pode levar as pessoas envolvidas a escolhas refletidas, caminho andado para a transformação de sua percepção sobre o conflito. Libertas da lógica da contenda, as pessoas passam a tratar objetivamente do problema que as colocou em situação antagônica. A mediação é o terreno em que as partes exercem autonomia na busca de solução de seus conflitos a partir do foco em suas necessidades e interesses, pelo qual se pode chegar sem maiores sofrimentos ao um acordo efetivamente pacificador.

Esta forma alternativa de enfrentamento de conflitos deve contar com a colaboração dos advogados. Na forma extrajudicial, as partes poderão ser assistidas por advogados ou defensores públicos (art.10, da Lei 13.140, de 26 de junho de 2015, que dispõe sobre a mediação). Na mediação judicial, as partes deverão ser assistidas por advogado ou defensores públicos, ressalvadas as hipóteses previstas nas Leis 9.099/95 e 10.259/2001, no limites de que dispensam tal assistência nos juizados especiais.    

Outro aspecto importante a ser ressaltado: o acordo resultante da mediação será reduzido a termo e constitui título executivo extrajudicial. Quando homologado em juízo, ganha a eficácia de título executivo judicial, quer dizer, uma vez descumprida cláusula ou condição do acordo, a parte interessada poderá dar inicio à execução em juízo, sem que se volte ao exame dos temas fixados no termo.

Os estudos teóricos e a experiência prática em minha formação como mediadora abrem-me a mente para perspectivas verdadeiramente inovadoras no que diz respeito ao lidar com os conflitos inerentes à condição humana, tais como me foram apresentados na seara da Justiça. É preciso reaprender a lidar com eles, levando em conta a relativização da via judicial. O apego arraigado à utilização da Justiça não se mostrou eficiente no sentido da pacificação de nossa sociedade. Perdemo-nos no excesso de litigiosidade. A mediação nos oferece alternativas a este padrão. Para tanto, as linhas retas e rígidas do processo judicial são substituídas pela proposta de resgate da comunicação e de um exame franco do que seja o problema. É preciso separar a pessoa do problema, como afirma Willian Ury, da Escola Linear de Harvard. Assim, aprender a mediar é um processo de envolvimento com a proposta de pacificação dos conflitos a partir do reconhecimento de sua objetividade. E me vejo a cada manhã mediando com meus conflitos da vez. E tento abrir o diálogo entre as tantas partes de que sou feita, tentando ver o que se esconde nas fissuras da alma e do corpo, para viver o dia que, a cada esquina, me colocará frente a conflitos de todo gênero, internos e externos, mais simples e mais complexos, todos, porém inerentes ao fato de que estou viva, estou em sociedade e trezentos e sessenta e cinco mil coisas não dependem de mim, de minha posição, de minha vontade. Então, que todos os conflitos - os meus, os teus e os nossos - sejam identificados e reconhecidos – primeiro passo. Quiçá, uma vez reconhecidos, nos levem a uma verdadeira conciliação, sem pressões. Oxalá, tal reconhecimento nos permita dar um passo à frente, como sugere a escola transformativa de Bush e Folger (que ainda preciso estudar), para a qual o acordo não é colocado como objetivo principal do procedimento e, sim, a transformação das pessoas em plano integral, a sua sensibilização mais vertical para o caminho da paz nas relações interpessoais e sociais em sentido mais amplo.  

Hoje, fora das atribuições constitucionais da toga, como outros colegas aposentados que andam abraçando o mesmo caminho, sinto-me bem ao me preparar para dizer: “sejam bem-vindos, meu nome é Comba, aqui estou como mediadora...”