Tuesday, April 05, 2011

Sergiu Celibidache


Se o mal de Alzheimer um dia me pega, bastaria estender o braço esquerdo e olhar em direção à mão espalmada que eu me recordaria da música, a grande fonte onde desde a infância plugo meu carregador de bateria. É que quase na altura do pulso tenho seu nome tatuado. E como me orgulho da idéia! Quando me perguntam: o que a senhora tem escrito aí? Tento explicar e as pessoas me olham espantadas, quase pedindo desculpas por invasão de privacidade. E por mais que eu me faça didática, o enigma permanece. A verdade é que a escolha de uma tatuagem não se explica. E você, maestro, também não tem explicação. Seu modo de sentir a música e de executá-la não se traduz em palavras. Só vendo, ouvindo, prestando atenção aos detalhes de sua regência. Só tentando entender sua filosofia, sua concepção da vida, da fé e da arte, algo que não se aprisiona na estrutura das línguas por você utilizadas em aulas, ensaios e entrevistas. Talvez por isso você tenha desistido de publicar seus escritos, como também se negou a fazer disco em estúdio. O que dizer de sua gravação ao vivíssimo da Sinfonia Patética? Não há o que dizer. É para sentir e tentar compreender. É para sofrer junto com o compositor que morre poucos dias após colocar o ponto final na partitura. No seu Réquiem Alemão a riqueza da criação de Brahms eleva-se, desdobra-se. Em seu modo de fazer música, tudo é revelação. Sándor Márai, em “Confissões de um Burguês”, fala do segredo que há em cada ser. Você chega aos segredos das composições, mas não os desvenda de modo fácil. Questão de gentileza. Quem quiser chegar mais perto da verdade que vá beber na sua fonte. Eu lá vou com assiduidade, procurando aprimorar a escuta. Sempre descubro algo novo. Em mim está escrito em romeno, sua língua materna, mas não é segredo: Celibidache, eu te amo.