Tuesday, November 30, 2010

Uma visão não partidária sobre violência no Rio


Quem nasceu e insiste em viver nesta cidade do Rio de Janeiro, morando ou não no Complexo do Alemão, não tem muitos motivos para se orgulhar das Polícias. A história das Polícias não as engrandece. Muito pelo contrário. Mas isto não quer dizer que o povo prescinda das Polícias como mão do Estado. A questão me parece bastante complexa e é muito arriscado se colocar como porta-voz de todo um povo, de uma sociedade plural como a nossa.  

Cada vez mais se sabe que a violência das organizações criminosas é apenas uma das pontas do iceberg, que o problema da violência tem origem na injusta relação capital/trabalho, no sabido interesse do capitalismo mundial na indústria bélica, na injusta distribuição de renda, no abandono crônico do Estado brasileiro aos segmentos que vivem na pobreza e na dura luta pela sobrevivência.

Entretanto, esta consciência quanto à origem dos problemas não pode nos levar a uma posição de certo modo confortável de criticar as políticas e as instituições do Estado sem apontar soluções e respostas às questões imediatas, a exemplo, a onda de violência que recentemente assolou a cidade, expondo ao perigo toda a população, sobretudo os moradores das comunidades dominadas pelo tráfico – os que circulam pelos ônibus incendiados a mando das facções criminosas ora unidas contra... Contra quem mesmo?  

Fala-se em “solidariedade ao povo da V. Cruzeiro e do Alemão” por conta da ocupação policial, sugerindo-se a suposta idéia de que os moradores das comunidades ocupadas preferem estar sob o comando das organizações criminosas e recusam a ação do Estado. Será isto verdade?    

Convivi com a classe trabalhadora por longos anos na Justiça do Trabalho. Não imagino que trabalhadoras e trabalhadores que residem nas  comunidades dominadas pelo tráfico orgulhem-se disto ou aprovem as ações do “movimento”. Solidarizo-me, sim, com os moradores do Complexo do Alemão e das demais comunidades expostas aos tristes níveis de pobreza. Mas minha motivação para tanto é vê-los permanentemente expostos à exploração de sua força de trabalho e às leniências do Estado. Ou seja, solidarizo-me com os que, além de explorados economicamente, sofrem pela ausência do Estado e clamam por mudanças em benefício de seus plenos direitos de cidadania.    

Penso que assim como o povo precisa do Estado nas áreas de educação e saúde também precisa do Estado na área da segurança. Esta, aliás, deve ser incumbência do Estado, em qualquer regime constitucional que se estabeleça. Toda forma de segurança privada deve ser repudiada pela sociedade. Educação pública, saúde pública e segurança pública de qualidade, eis tudo que devemos demandar do Estado, seja socialista, burguês ou lá o que seja.  

Sejamos realistas: os problemas concernentes às questões sociais que engendram a violência somente seriam resolvidos em longo prazo. Já a reversão do quadro crítico de violência vivido nos últimos dias na cidade do Rio de Janeiro é questão de curtíssimo prazo. Gostaria então de saber: qual é a proposta de ação imediata dos que são contra a ocupação do território pelas forças do Estado? O que fazer quando criminosos vão para as ruas e, acintosamente, cerceiam o direito de ir e vir de todos, infernizando e avassalando, sobretudo, os moradores das comunidades que dominam?  O que fazer quando os agentes da violência submetem crianças pequenas e as obrigam incendiar veículos? 

Concordo com a análise da antropóloga Alba Zaluar (artigo publicado em O Globo de 29/11/2010) ao apontar, inclusive, o provável acolhimento da comunidade quanto à ação do Estado na retomada do território do Alemão. Alba Zaluar observa que “moradores de Vila Cruzeiro e das favelas do Alemão colaboraram com a Polícia via o Disque Denúncia, receberam bem as tropas, colocaram bandeiras brancas e afirmaram a satisfação em ter enfim a proteção do Estado contra os seus predadores.”. Com a responsabilidade de quem há anos se dedica ao estudo do tema, Alba também chama a atenção para o fato de que “há muitas dúvidas sobre o que irá acontecer depois” e indaga: “os governos federal, estadual e municipal vão melhorar os serviços precários dando mais sentido à palavra cidadão?” Por fim, destaca: “como e quando a Polícia vai interromper o fluxo de armas e  munições para esta vulnerável cidade? (...) Como irá aprofundar as mudanças já em curso para criar um plano de carreira, melhores salários, melhor formação e menos corrupção entre os componentes?” 

Em meu modesto entender, não se trata de aplaudir ou não a Polícia. Trata-se, sim, de incentivar a sociedade civil a debater o que deve ser a Polícia no Estado de Direito Democrático. Trata-se, sim, de admitir que a corrupção da polícia é também fomentada pelos que oferecem dinheiro ao guarda para se livrar dos embaraços com a lei. Esta prática ilícita deve ser combatida. É preciso denunciar os excessos cometidos pela polícia e exigir que ela seja respeitosa e integra. Trata-se de cobrar do Estado, em todas as suas esferas, ações em favor da cidadania e medidas estratégicas para o enfrentamento estrutural da questão da violência. 
Negar o papel constitucional do Estado, o que inclui a ação da polícia prevista no art. 144 da Constituição em vigor, parece-me uma atitude contrária à cidadania e até mesmo de desconsideração pelas pessoas que precisam do Estado (que jamais deverá ser mínimo como quer o Capital) e dele esperam ações concretas que lhes permitam viver em paz.  Recusar a ação do Estado na hora em que o bicho pega nas ruas é vestir a boina ao estilo Che Guevara e fechar os olhos ao sofrimento das vitimas da violência do aqui e agora, principalmente as que vivem sob o arbitrário tacão dos poderes civis paralelos.