Wednesday, October 18, 2006

Sempre o vento e as amendoeiras


Saí da terapia na segunda-feira e resolvi trocar o “Foguinho” por uma caminhada pela Atlântica. Sentia-me tranqüila e bem disposta. Logo percebi que as amendoeiras se alegravam ao vento e que se anunciava uma noite acolhedora. Foi quando me lembrei de cena da infância em Paquetá: o passeio pela ilha após o jantar. Outras famílias cultivavam este hábito à fresca da noite. Então, voz aqui, risadas acolá e o som do vento em conversas com as amendoeiras, quebravam o silêncio das ruas, sem abalar a harmonia que emanava dos jardins. Em uma hora, tinha-se toda a ilha mais ou menos percorrida, passando-se pelos mistérios da “Maria Gorda” e pelas fantasias da casa de “A Moreninha”, que ficava perto da casa de tia Iaiá, onde anos antes minha secular família se reunia.
A imagem do passeio noturno pela ilha, eu menina de braços dados com Tia Marieta, o vento, sempre o vento agitando as amendoeiras, me deu vontade de escrever, ali mesmo, no tapume da obra do César Maia. E nesse momento me dei conta da imensa liberdade que há no mero desejo de escrever. E o que dizer então do ato da escrita consumada, uma escrita mais liberta ainda como a de Lispector, de Adélia, de Manuel de Barros e de Guimarães Rosa?
A liberdade de escrever é como o vento que anima as amendoeiras: inspira vida e traz em si o direito fundamental de transcendência, termo aqui empregado na acepção da filosofia existencialista, segundo definição do Houaiss: “ação por meio da qual a existência humana ultrapassa a sua realidade imediata e alcança a temporalidade inaparente e a liberdade”.
E assim, naquele começo de noite, sob as amendoeiras ao vento, transcendi à materialidade dos meus passos de obediência ao cardiologista e me libertei no desejo de escrever.

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